Objetivamente, sabe-se que produtos brasileiros, foram produzidos e comercializados, fora dos padrões nutricionais e em composições inadequadas, e que outros produtos foram acondicionados incorretamente e também fora dos padrões sanitários requeridos. Sabe-se também que isso aconteceu, devido a corrupção dos fiscalizadores responsáveis.
Não houve mistura de papelão com carne, mas houve sim o uso de ácido ascórbico para maquiar a aparência de carnes vencidas.
Essa atitude embora inaceitável já é mundialmente conhecida e costuma ser detectada em carnes clandestinas sem controle de originação e em frigoríficos ilegais. O ácido ascórbico altera a coloração da carne e dá a aparência de um produto novo. Em carne moída o efeito é ainda mais convincente. A única vantagem de ser uma fraude comum, é de que existem métodos também comuns e acessíveis de detecção, o que torna a fiscalização recorrente, multilateral e presente no setor público e privado, o que na prática impossibilita a comercialização em larga escala de itens adulterados.
De qualquer forma, fraude em fiscalizações, suborno e adulterações para forçar a aprovação de produtos e processos, são crimes! Deve haver investigação transparente e punição dos responsáveis. Isto é inegociável.
Com o mesmo vigor, deve-se lutar contra a desinformação, com o entendimento do cenário completo do mercado de proteínas animais no mundo. É sobre isso que quero falar:
O envolvimento de empresas líderes nessa corrupção é seríssimo, principalmente pela imensa distribuição e alcance dos produtos destas companhias. Acordar sob o risco de ingestão de comida que pode prejudicar nossa saúde é assustador. Isso aliado à conectividade que a internet traz, explica em parte a amplitude que esse caso tomou.
Contudo, não se trata de uma situação das dimensões reais de problemas, como os de febre aftosa, gripe aviária ou doença da vaca louca.
A Febre aftosa por exemplo, ainda tem causado riscos de contaminação mais impactantes com surtos no Reino Unido (2001 e 2007), Japão / Coreia do Sul (2010 e 2011) e Bulgária (2011). Já a doença da vaca louca causou sérios danos para rebanhos e seres humanos, na recente década de 2000 no Canadá, Estados Unidos, isso sem falar no estrago feito no Reino Unido e Irlanda. Nestes mesmos períodos a carne brasileira cresceu como símbolo de qualidade.
Já sobre a operação carne fraca, não existem registros de pessoas ou animais doentes, contaminados e mortos em decorrência dos problemas em questão, nem riscos de transmissão.
No entanto, em alguns poucos dias criou-se uma imagem negativa da carne brasileira, no mundo todo. Como se os fatos ocorridos, representassem um perigo direto ao consumidor, na mesma dimensão que uma epidemia de alguma doença. Isso obviamente é maléfico ao Brasil, mas é diretamente oportuno para os Estados Unidos, Índia, Austrália, Canadá e Irlanda.
O clima brasileiro, a imensidão de pastos existentes, o número de terras ainda disponíveis para a agropecuária e o amplo fornecimento de soja e milho, fazem do nosso país um concorrente imbatível para dominar o fornecimento mundial de proteína animal nos próximos anos. Pelos mesmos motivos, nosso gado é mais sadio e menos suscetível à doenças.
Ainda assim, nos últimos 15 anos, o governo brasileiro com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e instituições como Embrapa, profissionalizaram o controle sanitário e fitossanitário e venceram um a um os requisitos técnicos, e a burocracia muitas vezes imposta para dificultar a presença do nosso país no comércio internacional.
Exportar carne como o Brasil faz não é fácil, não é simples, não estamos sujeitos apenas à regras internas, mas acordos internacionais sanitários e fitossanitários. Portanto, mesmo uma corrupção interna generalizada, não bastaria para assegurar que produzíssemos e exportássemos um produto que oferecesse risco à saúde em outros países.
Fato é que a presença do Brasil no mercado internacional de proteína animal tem sido tão grande e tão pujante, que tem afetado a autonomia de empresas ao redor do mundo, bem como enfraquecido o poder econômico de alguns países nesse setor. Além disso, a continuidade do crescimento da China coloca na mesa uma oportunidade de fornecimento de alimentos, que todos querem aproveitar. O Brasil já estava na dianteira nesta questão.
Corroboram para minha opinião, a lembrança de que a JBS fez significantes compras de empresas alimentícias estrangeiras, e se posicionou com grande importância no mercado nos Estados Unidos, México, Irlanda, Canadá e Austrália. Já em 2016 foi celebrado acordo bilateral permitindo a venda de carne in natura do Brasil para os Estados Unidos.
O Brasil é uma potência agropecuária!
E enquanto a operação carne fraca é usada para denegrir nosso país a gripe aviária cresce de forma alarmante nos estados do Kentucky, Alabama e Tennessee nos Estados Unidos. Nesse mês de março mais de 73.000 aves foram incineradas por lá. Mas não é só nos Estados Unidos, hoje a Malásia sofre com a gripe aviária, que levou a transmissão da doença por meio de carne contaminada, na China.
Por outro lado, o Brasil é extremamente frágil a ataques de desinformação, não monitoramos em tempo real fazendas e frigoríficos e temos muito para avançar em controle de originação através de digital farming. E nosso país tem sido incapaz de se proteger contra ataques externos de agências de inteligência estrangeiras. Haja visto os grampos recentes de comunicações da presidência, expostos por Edward Snowden. A mesma pessoa que trouxe a tona a existência de uma organização supra nacional de inteligência de governo, formada por EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, países estes que ironicamente são grandes produtores de proteína animal.
Resta a pergunta, o que um concorrente do Brasil estaria disposto a fazer para ganhar com essa crise?